
Intermezzo em Pedro Juan Caballero
“Seja bala, relógio,
Ou a lâmina colérica,
É contudo uma ausência
O que esse homem leva.”
João Cabral de Melo Neto, Uma Faca Só Lâmina
(Pedro Juan Caballero
O nome mais forte que posso conceber
Em língua castelhana
Pedro Juan Caballero
Algo como Diogo Cara de Cão
Da lusofonia
Se um dia eu tiver um filho
Seria estranho, mas talvez
Pedro Juan Caballero
Mas não tenho tempo, não tenho
A hipótese de um amanhã
Com que jogar
A semente que porto
É uma Carta de Belerofonte
De meu próprio punho, e pelas Moiras endossada
Retesando os punhos, punhais
À minha passagem)
***
Três de uma célula dormente do DEA,
um ruivo que não conheço
E ela
Cinco contra tantos
cápsulas caindo ao chão, sobre meus
pés, cabeza, corazón
deflagradas pétalas de bronze
de uma rosa infernal
e seu impregnante perfume de pólvora
pétalas caindo como doces atirados num dia
de Cosme e Damião,
mas quentes demais para que eu as colha
ou escolha
Oh Anti-Éden
Oh antiloquente Anti-Éden
Eu lhe conhecia de ouvir falar,
De livros e proto-livros de filosofia
Mas hoje eu lhe vejo face a face
Enquanto esbraveja a metralha
O ápice de teu epiciclo
Então é aqui que morre Calíope,
Que tomba para trás a poesia
Estuprada e com três rombos no peito
Hoje finalmente lhe apreendi, hoje sou-lhe
Uma criança violada
Morrendo laica em seus rubros tons de cinza
cãozinhodepatasdecepadascooptadoparaastransdimensõesdetemposc
olapsadosdeteusatânicoespaçoontológico
perdão
Há um buraco em meu braço,
um buraco negro que delira meu poder de raciocínio
uma .50 plange uma melodia funérea
Sobre minha cabeça, a sexta sinfonia de Mahler
E executada à perfeição
Por uma Orquestra de virtuoses feita apenas de metais,
De (já lhes aprendi os timbres) 11 diferentes calibres
Maldito sejas, Satanás
Fecho meus olhos de ti
E há um jardineiro em Nazareth, e Ele
É tudo o que me estende a mão
Do livro CONTÉM: Armas Pesadas (2012)
Ressurreição
Distanciar, longinquar todas as coisas
Desesmagá-las, retrofazê-las do pó
Prodigar as flores, expandi-las galáxias
Obliquar linhas retas, biotizá-las
‘Té que substanciem asas:
Coleóptero inseto,
Adentr’abitar o Jardim de Deus
Do livro DEUS Amanhecer (2013)
O Editor de Poesia
Sou um antologista
lido com volumes dantescos, homéricos, catastróficos
de poesia
marranos cabalistas de um Século de Ouro,
americanos movidos a LSD e mescalina
franceses efeminados sul-americanos
com ranço de Champs-Élysées ou com
versariamentos crioulos de Marx
Sim, sou um editor e antologista, lido
com volumes dantescos homéricos catastróficos
de VIDA,
marroquina espartana
turcomena cigana mujahedin
explodindo cafés em Berlim tanques em Pequim
ou silêncios na Revolução dos Cravos
e deixando estrategicamente poemas nos bolsos dos cadáveres
como os war poets ingleses
que serão publicados numa revista qualquer alemã
e que com exclusividade deitarei ao vernáculo,
ao cotejar com as versões em castelhano de Tradutor A e Tradutor B
sou um acumulado de livros, um Índice de enciclopédia ou de camaradas,
uma biblioteca que se esquece na semana seguinte
amigo de dores de Camões e Tasso
de culpa herdada de Bachmann e Celan,
um acumulado de suicídios impresso
em tamanho A5 papel pólen capa 4xcores laminada
sem orelhas como um Van Gogh num espelho
Lá venho eu pela estação Cinelândia, sapatos de dândi,
chapeleta gauche
roupas de um outsider – só um homenzinho com uma bolsa enorme
de papéis e víveres,
bananas e pão
cristão protestante um provisório (hiper)hebreu
Tzara triste (des)amparado em livros
ruminando sobre como desferir uma cantada Moraesiana-Eluardiana
nas solipsas atendentes da Biblioteca Nacional
Quanto a esses poetas, amigos invisíveis de uma criança solitária,
como um Kohélet, um Salomão que quer manter a paz em seu harém,
amo a grosso modo a todos eles, sem acepção
os que estão ao meu lado, co-
navegantes do mesmo zeitgeist
ou os que estão nas estantes de baixo, ou nas-
cendo nas de cima
Como o estivador de uma Ode Triunfal ou um contrabandista francês
mercando armas numa guerra africana, trans-
porto-os, e se os abraço assim tão forte,
num enlaçar que é como um sorver a minha vida,
é para continuá-los em celulose,
em bits,
em vocês.
Do livro PULSÁTIL: Poemas canhestros & Prosas ambidestras (2014)
Um não-lugar para o poeta marginal
Uma homenagem à geração de 80, final do mimeógrafo, réstia marginal
Um lugar que fica num outro lugar que
está dentro de um terceiro lugar, este
sim, localizado em lugar algum.
É ali que eu queria ficar.
Aramado es pa
rra
mar-
me
em meu aracnoestado,
meu parangolizado brinquedo
quedar-me quedo,
anti-tredo, pisoteando
as fuças murchas
de meu bielo-medo
vestindo meu colete (âmbar-)gris,
camuflado em risca de (faca &) giz
mascando drops de (alcaçuz &) anis
um mimeografado chacal xaropado de sossego
poetando meninotas em minhas Pasárgadas de pêssego
Do livro GRÃNADAS (2015)

Sammis Reachers (Niterói, 1978) é poeta, escritor, antologista e editor. Autor de 12 livros de poesia, cinco de contos/crônicas e um romance. Organizador de mais de 50 antologias. Professor de Geografia habilitado também em História e Artes, além de bibliotecário.