O ARCO DO DESEQUILÍBRIO
(para o voo sem asa)
1
para Philippe Petit
frios arames estendidos de um ao outro lado
a fina tensão do vazio
no umbigo
um visceral segundo do lapso frágil
estéril tropeço no azul
as farpas são asas a queda um único verso
sem rede de proteção.
3
para Lillian Leitzel
A corda que se estende
Farpada aos tropeços
De um lado ao outro
Tenciona a queda
v
e
r
t
i
g
i
n
o
s
a
acorrentado no chão de cimento a travessia
das órbitas frias – cinzas num penhasco
o motor do tédio parado qual ponteiros dis
ol
vi
do
s
pelos escombros do
s
ol
5
para Karl Wallenda
Na opressão das memórias extintas
atravessa num arco
Dois prédios de escombros
Na leveza do desequilíbrio
Um salto para o infinito
ácidos de cal e fuligem
um precipício do solo
sol
a
sol
a pino
a tarde emaranhada de finas teias
tênues dorme
a morte boceja seu átrio
na somatória de tudo – zero.
ÍCARO
A Ícaro seu voo
rente ao sol asas de cera
a queda brusca e inevitável
ruflada sombra ao precipício
A Ícaro a palavra
no tempo de vela derretida
as penas descoladas
a alada simetria da chama
resiste ao vento
A Ícaro o canto do pássaro
o vértice do outro limite
o solo de nuvem
o solo de nuvem
do instante
de todo instante
A MENINA, O CAMINHO, A PEDRA
E O RIO
É sempre mais difícil
ancorar um navio no espaço
Ana Cristina César
A menina olha o rio
É mais bela que a tarde
A pedra olha o rio
Há um caminho dentro dela
– o rito de passagem –
O rio se encanta
A tarde se encanta
A menina disfarça
Apanha a pedra
Atira-a no leito
– 3 leves golpes de encanto –
O rio sorri
A tarde sorri
A pedra afunda.
ISADORA DANÇA
Isadora Duncan
mesmo morta
ainda dança na contraluz
da Lua
Isadora ousa precipita-se
num passo solto
e profundo
padedê precipício
Então salta num voo
livre tênue
pasodoble
frágil-infinito.
NATAL NO MORRO
de sobressalto
a mãe olha para o filho
– são fogos de artifício!
meninos sonham acordados
castelos, dragões, bolas, cometas
e um país imaginário
sem balas perdidas.
CADAFALSO
As marcas de um voo morto
açúcares espalhados pelo sótão
do avesso de minha carne
costuramos madrugadas sanguíneas
marchamos para um cadafalso difuso
cores desmembram o laço
no nosso pescoço um pássaro.
LEILA LIVRE LEILA
apenas em sua liberdade
esse azul vai além
de espanhas e holandas.
SHAMISEN (AS 3 CORDAS DO ABISMO)
três cordas do instrumento
estiradas ao vento
um corpo de sol
chaminés de andaluzia
meias estendidas
na primavera
bocejos, lírios e alfazemas
o canto avesso
das falsas borboletas
três horas de um dia cinza
motor de cigarras
na elegia para o outono
a senha do relógio d’água
adestrados sapos
no azul das pedras
elipses nos olhos dos peixes
cordilheiras de morte
na lâmina caída
o sangue é o rio
memórias amputadas
adormecidas nas asas quebradas
do inseto raro em extinção.
A LOUCA D’ESPANHA
Como louca d’Espanha blasfemavas
Aos deuses, aos sóis, deusa-anã
Na treva desafiavas noites e amavas
Onde estão meus olhos, estrela da manhã?
Indagavas portos, ancoravas frias embarcações
E saltavas em graça num primeiro aceno
De suspiros e mistérios e fartas canções
Onde estão meus filhos, estrela de aveno?
E longe a carne da máscara tão nua,
Encenavas um canto, uma prece, um rastro
Ou apelo para os olhos, para a Lua
Ao mar emprestavas o medo escuso
Um torpe verso, uma lei de enclaustro
Onde estão meus laços, estrela do escuro?
Ilustrações: Jason M. Peterson
Ilustrações: Jason M. Peterson
Leandro Rodrigues (Osasco, 1976). É poeta e professor de Literatura. Já lançou os livros Aprendizagem Cinza (Patuá, 2016), Faz Sol Mas Eu Grito (Patuá, 2018) e Todas As Quedas São Livres (Penalux, 2020). Também já participou de diversas antologias como: Hiperconexões (2017), Sarau da Paulista (2019), MedioCridade (2019), 70XCaio (2019) etc.
Uma resposta
Interessantes as 'quedas', inclusive as concretistas e a de Ícaro…