
Maçantes são as páginas do meu diário. São os poemas que escrevo. Tudo é uma chatice, porque com nada que faça parte do meu mundo provoco empatia. Nem mesmo tento a menor persuasão.
Todos os objetos que gravitam dentro do meu mundo são impenetráveis. Há vidros blindados e tanques militares mais empáticos que as páginas mortas do meu caderno. Não digo isso com tristeza, digo com convicção: um cemitério tem mais vida com suas larvas e suas borboletas e seus ramalhetes podres que o diálogo entre as minhas vozes.
Um ator, antes de sua apresentação, precisa maquiar-se, vestir o figurino e olhar os próprios olhos no espelho, onde minúsculas manchas de pasta de dente mapeiam o desenho fugidio do seu rosto. As personagens que invento não são sequer a solidão de uma peruca abatida sobre a mesa, a escova de dentes cujas cerdas guardam restos de pão e sangue. Meus personagens são como grandes quartos vazios, camas bem alinhadas, janelas discretas para o jardim, uma coleção de paisagens pintadas por algum lunático entediado no século 18. São invenções sem vida, geométricas. Por isso jamais fui capaz de tecer um romance ou contar a história da minha vida.
Palavras vãs. Premissas que nada propõem, igualmente vãs. Argumentos sem porquê, discussões bestas e eruditas no bar. Monólogos a esmo. Maçantes são, dos jornais, a coluna de moda, as fotografias dos famosos e o obituário, a coleção de bens que já não pertencem mais à dimensão da humanidade, mas da fantasia elétrica dos dias. Maçante é uma lista de supermercado feita no celular, um cacho de bananas, dois litros de leite, manteiga, presunto e a tua foto num mural eletrônico. Nada que faz parte do meu mundo provoca empatia, pois é um mundo fechado. Um misterioso e indiferente sanduíche de presunto.
Não há empatia em hieroglifos danificados na pedra, não há a menor empatia na abóbada azulada, sem nuvens, nem em uma escova de dentes. Maçantes são as páginas do meu diário e os meus dramas. O resto será um maço de cigarros tornando à cinza como tornou ao fogo.
EDUARDO PETERS