Um poema inédito de Vlademir Lazo

Ilustração: jcdragonflies 

Gisele
consertava celulares
fizera
um curso por correspondência
para
manutenção e reparo
de
aparelhos com prazo de expiração
era
o momento de ganhar um extra
em
tempos que se anunciavam sombrios.
Os
homens iam até o seu apartamento
ateliê
de trabalho e de eletrônicos
expedicionários
vindos de longe
e
de recantos outros da existência
deixavam
telefones celulares
fingidamente
defeituosos e velhos
pra
ao dia seguinte serem resgatados.
Séria,
compenetrada e difícil
e
curiosa, muito mais do que séria,
investigava
Gisele um tempo pretérito
o
registro dos celulares desses clientes
material
antes nunca revelado
Dossiês
de traições, amantes e negociatas
arsenal
de informações de uma cidade
seus
habitantes corruptos e devassos
banco
de dados de histórias
fatalmente
interrompidas pela metade.
Voltavam
os homens com avidez
a
calmaria um disfarce da ausência de paz
queriam
Gisele muito mais que aos celulares
até
ao seu esconderijo na floresta
e
entediavam Gisele que preferia
o
cultivo da própria solidão
Andar
de carro ou passear de bicicleta
pétalas
brancas emolduradas em tela
distraidamente
desenhando violoncelos
em
guardanapos de cafeteria
e
discutindo política com surdos e cegos.
O
indisfarçável ar de professora
e
uma vontade de mudar o mundo
Nunca
deixei meu telefone com Gisele
que
consertava celulares e smartphones
e
corações quebrados e partidos
distante
com seus óculos escuros
&
sua felicidade imperturbável.



Vlademir Lazoé gaúcho da Praia do Hermenegildo, na
fronteira com o Uruguai, e ascendência mais ou menos próxima originada desse
outro país. Gosta de escrever sobre filmes e é autor do volume de poemasGeografia de um retrato(Penalux, 2017).

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