Velha era: Jandira Zanchi

Ilustração: Giorgio di Chirico

Conservadorismo parece ser a nova formatação da juventude brasileira se considerarmos jovem alguém > 20 e < 40.  Esquerda ou direita, definições que vão ficando sem cabimento visto a alternância de posições, a mutação dos perfis, a constante simpatia por valores fechados, o  respeito pela lei e pela ordem, a mania pelo politicamente correto, o gosto por tudo que não fuja muito a definições compactas e descartaveis. Tanto quanto o individualismo, o gosto por viver ilusões em bolhas, a intolerância ou pelo menos a dificuldade em entender ou aceitar o que não é espelho.

A vida digital, um melhor relacionamento com pais e autoridades, um grande acesso a bens de consumo da classe média não abriram e tornaram eruditas as jovens mentes. Pois esses jovens viajam mais, acessam melhor conteúdos de diferentes países, processam melhor as formatações da civilização, são fluentes e dinâmicos em resoluções técnicas, valorizam parcerias e projetos.  O que os torna quase travados, incapazes de perceberem as contradições de seus pequenos mundos? O medo de se indisporem com seus grupos e tornarem-se frágeis fora da matilha? A primeira vista parece ser um motivo bem viável visto que é comum o silencio e o despistar quando, em nossa sociedade, se torna evidente demais um incomodo, uma contradição.  São pessoas bem adaptadas aos seus meios, satisfeitas com suas vidas, ajustadas ao convívio de semelhantes ou, pelo menos, daqueles que são próximos às suas visões e crenças. Do ajuste à mediocridade a distancia não costuma ser tão grande.  Ainda não chegamos ao tempo em que o gênio irrompe de solos flácidos, de fácil deslizamento.

Mas, o que ainda mais impacta a confirmação desse conservadorismo que segue uma ou duas gerações muito brilhantes e inovadoras (embora confirme-se um aumento de inteligência e competência na resolução das tramas e formas das exigências tecnológicas, de área de saúde e mesmo em humanas) é a verificação de que a linha linha-dura e rígida encontra-se muito mais exacerbada na faixa dessa geração que, teoricamente, se posiciona mais à esquerda ideologicamente. Seria por que pessoas atuantes no contexto de ciências humanas (e esse é o caso da maioria da “esquerda”) precisam de menos flexibilidade e agilidade para a resolução dos problemas e situações cabíveis em seus cotidianos? Provavelmente, mas, sendo assim, isso seria uma marca de todas as gerações que abraçaram áreas não administrativas ou exatas ou biológicas ou tecnológicas. E não temos, e talvez estejamos enganados, essa impressão, talvez, tenhamos até formado uma imagem contrária, supondo um sociólogo um individuo mais transgressor, crítico, aberto.

Talvez façamos confusão com escritores, poetas, artistas plásticos, atores, diretores de cinema e teatro, músicos, pois a arte sempre de alguma forma lidera as novas ideias, propõem colocações não usuais, é aberta a visões de vida que não se encaixam na simples manutenção do ganha pão e da criação de filhos, enfim, a arte e a escrita sempre foram a redenção e o inconsciente regenerador da humanidade. Mas, mesmo a arte não tem apresentado propostas significativamente inovadoras, repetindo e alisando, algumas vezes com fervor exagerado, toda a fabricação, a revolução promovida no século XX.  Estão mais ocupados, os artistas e escritores, com suas sobrevivências, com seus projetos de nem sempre grande visibilidade, com as pequenas disputas, com as muitas adulações.

O terror na paixão conservadora, porém, é muito evidente em profissionais de direito, jornalismo, sociologia e um pouco na filosofia, ainda que nessa ultima a amplidão e natural curva de abertura do arcabouço teórico não permitam tão grande vileza. Os filósofos se parecem um pouco com os físicos, menos meteoros e mais metafóricos, porem, ainda fazem jus ao respeito que se deve ter aos não uniformizados pelo cotidiano. Mas, alguns outros desses profissionais parecem sérios candidatos a novo clero, marchando para uma idade media de modo marxista, caídos em um novo (e mau) cristianismo que adula charlatães, corruptos, organizações de todo o tipo. Totalmente intolerantes, vestindo uma marcha fascista e acusando o outro, qualquer outro, de endemoníado, cegos e agressivos nas premissas repetitivas de seus credos, uma fé sem nexo e autocrítica.

Todavia essa obvia constatação não reponde, por que? Por que esses e não outros?  Talvez a origem social desses indivíduos, os meios em que foram criados os explique. Poucos são oriundos da classe alta, talvez alguns da média alta, e a maioria da classe média ou média baixa. Por suas profissões, vestibular mais fácil, aí se exige menos colégios particulares, cursinhos para o preparo. Direito e jornalismo podem ser bem competitivos, sem duvida.  Porém, a maioria das profissões de área humana é acessível a uma leitura não especializada, assim, como uma pessoa de qualquer profissão pode assistir uma peça de teatro ou ler um livro de literatura e compreende-los perfeitamente. Como as artes as humanas são patrimônio público. Isso gera insegurança em alguns talvez, medo das mudanças de regras, da tecnologia sofisticada cujos códigos e aperfeiçoamento não dominam, das novas linguagens, do voo dos companheiros de outras áreas. Mas, acredito, que estão nos pais, no meio da criação, a explicação para essas rabugentices nos novos humanos mais à esquerda. Não tiveram convivência real com a riqueza, com empresários, com as regras e condições das classes altas ou médias altas e, as estranham. Não conseguem deglutir o jargão do competente, daquele que vem transformando o mundo, mudando as regras e procuram, simplesmente, barra-los, travestindo-se de revolucionários, de novo clero, exigindo obediência a ideias arcaicas e, pior, reverência a corruptos e legisladores bem duvidosos.

Por sua vez os mais à direita se ressentem dessa agilidade de fala, dessa segurança de nova religião da meninada demagógica. Gostariam de ter as mesmas certezas, o mesmo refinamento para a escolha de livros, de poemas, de sons e manejos que são uma grande tradição da esquerda, que por princípio é humanista. E se paralisam. Pois, fora esses tiques nervosos e essa absurda tirania/intolerância não vem nada concreto nas críticas desses muros. Claro, são vazios, são apenas ilhas fundadas sem aviso e que tendem a naufragar ou ampliar, se democráticas, seus terrenos.  Para isso é preciso olhar e escutar o outro já que é inevitável que se trombem os mundos fundados no mesmo solo.


JANDIRA ZANCHI



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