10 poemas de Iolanda Costa


Vazante

Ao que tem sede, a recrudescência
da sede. O peixe de salina na vaga,
expia, da escama, a boca sufragada

do expiado. O rezo em sal, a ida
ao barco, ao copo emborcado do
copo, salitrando, à altura das vagas,

o corpo sedento. Ao que tem sede,
a vaza, a baixa das marés, a ova
oleada das peixes. Abster-si de si,

por si, em sequioso exílio. Como, então,
emergir da água ou dela banhar-se
se à carne o batismo foi negado?


cogito

júpiter  transitará   saturno  e  tudo  será
refletido.  os acontecimentos do  mundo 
caberão  na  sala   entre  um  supérfluo e
outro,  uma  taça,  um  círio,  Gorki   e  os
poetas russos, o inglório e concupiscente
idealismo  dos  homens.  nascemos  para
estarmos juntos, senhor. alinhados entre
planetas distantes e constantes constela-
ções, não importa o que nos distanciem.
os astros libram.


nietzschiano

a criança girando por si
não salva o homem, chancela
o inventor à escuta do inaudito

desfeito de Absoluto, o mundo
findo, convulso de flor, dissolvido
na carnalidade das hastes

nega o dogma, o amparo
a crença poída não encenada
o nada tustro de nadas

o homem devotado do homem
não cabe em si, expande-se
como um leão extraído do camelo


Busca de Visão

lobo à procura de jacintos, qualquer flor.
uma hera. uma cor que não encorpa.
um colar de losna, das Compostas
bem posto na garganta e estriado pelas costas.
sobe a montanha como um lobo
teu rezo de trezentos e sessenta e cinco dias
e uma cerimônia de cura.
teu lobo e teu rezo
que não se apartam, desunidos.
teu lobo e teu rezo adentrados de fé
ao pé da montanha.




Dor

Se já não estivesse
na carne
estaria, certamente
nas folhas
de vermelho translúcido
das amendoeiras.






brasil

A rã do ar invertido
de teu nome não salta:
coaxa como rãs, anãs
a fêmea muda que não coaxa
a língua longa que não alcança
o acento, o inseto, o insulto.

Teme o enxame, órbita-cócora
de brejo em brasa:
sapo sapa sepo
ipiranga tímida que não asa
itininga fúlgida que não flora.


Hipátia    

As bruxas fazem ciência e vaticinam.
Seus óvulos trópicos esperam
a terra adorada, a que não vem
o ventre invertido que não gera.
Vertem seus mênstruos a cada lua
e buscam a si como oroboros
loucos e dissidentes.
“Toda quintessência é uma pedra
que não é pedra”, dizia Maria
(a de Alexandria)
a que calcinava enxofre e cobre.


declínio

nada há de ser
éden dano feno
glossário, assim
tão de cava
em cova:
olho fenecido
que não abre
poesia debruada
que não naipa
teu ás
em vala
jaz


oral

o amor nasce do céu-
-da-boca aguada

úmida furna úmida
da serpe papilada   
loca valada de saliva.

sublíngua a Língua
                       sublíngua

o amor seco amarasmado
da partida

o beijo-cuspo e glossal
do amor banhado

a marinheira náufraga
de lambida.


lei

tão ateu
quanto atento
às coisas de Deus

no corpo exulto
em que a dor sufrage
(usina de sal e flagelo)

um olho de cão aberto
para o livro, lava
sacra-sutra
ciência pentateuca

e esse deus
que a tudo escarva
e arruína


Ilustrações: Mrs.-White


Iolanda Costa (Itabuna-BA). Editou, artesanalmentefolhetos de poesia Às Canhas as Palavras Realizam Mil Façanhas (1990), A Óleo e Brasa (1991) e Antese (1993). Tem poemas editados em jornais, antologias, revistas impressas e eletrônicas e blogs.  É autora de Cinema: Sedução, Lazer e Entretenimento no Cotidiano Itabunense (UESC, 2000), Poemas Sem Nenhum Cuidado (FICC, 2004), Amarelo Por Dentro (2009), Filosofia Líquida (Agora, 2012) e Colar de Absinto (Lumme,2017) e Ultramarina (no prelo, 2019)Coordena a Coleção de plaquetes Pedra Palavra (2012 -2019).

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