Vazante
Ao que tem sede, a recrudescência
da sede. O peixe de salina na vaga,
expia, da escama, a boca sufragada
do expiado. O rezo em sal, a ida
ao barco, ao copo emborcado do
copo, salitrando, à altura das vagas,
o corpo sedento. Ao que tem sede,
a vaza, a baixa das marés, a ova
oleada das peixes. Abster-si de si,
por si, em sequioso exílio. Como, então,
emergir da água ou dela banhar-se
se à carne o batismo foi negado?
cogito
júpiter transitará saturno e tudo será
refletido. os acontecimentos do mundo
caberão na sala entre um supérfluo e
outro, uma taça, um círio, Gorki e os
poetas russos, o inglório e concupiscente
idealismo dos homens. nascemos para
estarmos juntos, senhor. alinhados entre
planetas distantes e constantes constela-
ções, não importa o que nos distanciem.
os astros libram.
nietzschiano
a criança girando por si
não salva o homem, chancela
o inventor à escuta do inaudito
desfeito de Absoluto, o mundo
findo, convulso de flor, dissolvido
na carnalidade das hastes
nega o dogma, o amparo
a crença poída não encenada
o nada tustro de nadas
o homem devotado do homem
não cabe em si, expande-se
como um leão extraído do camelo
Busca de Visão
lobo à procura de jacintos, qualquer flor.
uma hera. uma cor que não encorpa.
um colar de losna, das Compostas
bem posto na garganta e estriado pelas costas.
sobe a montanha como um lobo
teu rezo de trezentos e sessenta e cinco dias
e uma cerimônia de cura.
teu lobo e teu rezo
que não se apartam, desunidos.
teu lobo e teu rezo adentrados de fé
ao pé da montanha.
Dor
Se já não estivesse
na carne
estaria, certamente
nas folhas
de vermelho translúcido
das amendoeiras.
brasil
A rã do ar invertido
de teu nome não salta:
coaxa como rãs, anãs
a fêmea muda que não coaxa
a língua longa que não alcança
o acento, o inseto, o insulto.
Teme o enxame, órbita-cócora
de brejo em brasa:
sapo sapa sepo
ipiranga tímida que não asa
itininga fúlgida que não flora.
Hipátia
As bruxas fazem ciência e vaticinam.
Seus óvulos trópicos esperam
a terra adorada, a que não vem
o ventre invertido que não gera.
Vertem seus mênstruos a cada lua
e buscam a si como oroboros
loucos e dissidentes.
“Toda quintessência é uma pedra
que não é pedra”, dizia Maria
(a de Alexandria)
a que calcinava enxofre e cobre.
declínio
nada há de ser
éden dano feno
glossário, assim
tão de cava
em cova:
olho fenecido
que não abre
poesia debruada
que não naipa
teu ás
em vala
jaz
oral
o amor nasce do céu-
-da-boca aguada
úmida furna úmida
da serpe papilada
loca valada de saliva.
sublíngua a Língua
sublíngua
o amor seco amarasmado
da partida
o beijo-cuspo e glossal
do amor banhado
a marinheira náufraga
de lambida.
lei
tão ateu
quanto atento
às coisas de Deus
no corpo exulto
em que a dor sufrage
(usina de sal e flagelo)
um olho de cão aberto
para o livro, lava
sacra-sutra
ciência pentateuca
e esse deus
que a tudo escarva
e arruína
Ilustrações: Mrs.-White
Iolanda Costa (Itabuna-BA). Editou, artesanalmente, folhetos de poesia Às Canhas as Palavras Realizam Mil Façanhas (1990), A Óleo e Brasa (1991) e Antese (1993). Tem poemas editados em jornais, antologias, revistas impressas e eletrônicas e blogs. É autora de Cinema: Sedução, Lazer e Entretenimento no Cotidiano Itabunense (UESC, 2000), Poemas Sem Nenhum Cuidado (FICC, 2004), Amarelo Por Dentro (2009), Filosofia Líquida (Agora, 2012) e Colar de Absinto (Lumme,2017) e Ultramarina (no prelo, 2019). Coordena a Coleção de plaquetes Pedra Palavra (2012 -2019).