3 de poemas de Priscila Topdjian

Virá
 
Virá como ato originário
desconsiderando a cicatriz de ulisses
apesar de toda prosa que deu prêmio
 
Virá como quem nasce
fera sem devir
bovary de afetividades fugidias
 
Virá como um não-ser
que concentra em si todas as convivências
para que não apareça nele tudo que é seu
 
Virá sem imagem acústica
com conteúdo por agregar
um signo por se criar
 
Virá como o que não foi dito
sem trauma da consciência
sem angústia da influência
 
Virá para compor a inteireza
do branco da falta
falha fatal
 
Virá não como milagre
(virá como linguagem)
espaçonave


Você

 
Você (que não sabe que eu existo)
É tão parte de mim como este rosto
De pele clara e de grises olhos
Que inutilmente busco nos espelhos
E com as mãos ávidas percorro
Não sem nenhuma forma de saudade
Sinto que as palavras válidas
(que me expressam)
Se encontram em você
No seu corpo sempre pronto para ser inaugurado
Que assim seja!
As suas andanças
Vão me dizer para sempre

 

plano do filme “Morte em Veneza”, Luchino Visconti, 1971

A Morte em Veneza II

O entendimento da vida já não dura

Em ombros frágeis os pesos das tarefas se acumulam
Chamam isso de talento… Talvez fosse uma maré de inquietudes
Que me levou até Veneza por medo da existência futura
 
Após perder-me em seu labiríntico acesso
Já cansada da bagagem, percebi que suas entradas só se insinuavam…
Não se pede aos céus, quando sobre o mar se constrói toda estrutura
Veneza é para quem no abismo flutua!
 
Adentrei num vaporetto em direção à Praça São
Marcos
Neste instante, com a face desajustada, passei a existir apesar de:
preocupações, tormentos, dificuldades, invernos
Não importa o quanto custosa tivesse sido minha chegada
 
É preciso deixar de ser o que se foi
(sobretudo em Veneza)
 
Quem sabe até, ao escutar o canto
Do jovem Tadzio, comovido,
Gustav pudesse ter previsto toda a tragédia
Que mesmo numa vida de prazeres desvairados
Seria impossível conceber?
 
A beleza! Enfim… Tadzio e Veneza são uma coisa só
(como a linguagem que imita a natureza)
Eu me rendi porque percebi que a dor não passaria
Eu me entreguei porque o mais profundo sentido do existir havia encontrado
 
Quando se descobre a beleza, já não se pode viver
mais nada!
 
 
 
 

Priscila Topdjian mora em São José do Rio Preto, interior de SP. É graduada em Letras e Jornalismo, possui mestrado em Marketing pela USP. Trabalha como jornalista e realiza a coordenação pedagógica da Escola de Escritores, espaço destinado ao estudo e à escrita literária na cidade em que vive. Participou da antologia: “6 poetas Amanhã”, edições Bergamini. Com o “Poema dos trinta anos” conquistou a terceira colocação no “Prêmio Nacional Novos Poetas 2018”, realizado pela editora Vivara e Biblioteca Nacional.

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