Viagens de um cão salivante
Meu verso
eterniza
em seu corpo
no instante,
em que louca,
geme e gargalha.
Meu lirismo
invade teu
cangote,
enquanto
você ri
de nervosa
e me devora.
Tuas pernas
são terras
em terremotos,
em calafrios .
Minha língua
afiada
como uma rima,
faz de sonetos:
orgasmos.
Quando encosto
em seus seios,
minha boca
saliva
como o cão de Pavlov.
E pelas metades,
vou lhe contemplando
por inteira,
nas cavidades.
E sendo o teu cheiro
meu ópio,
é em busca de ti,
o motivo
de minhas eternas
viagens
pra dentro de mim.
Uma carta para um amigo que morreu
Eu tinha um amigo antropólogo
professor de Ciências Sociais na UFBA.
Lembro dele agora
porque ele morreu
e a sua mulher também.
Escuto a gargalhada dos dois ecoando em meus ouvidos.
Lembro-me do dia
em que fiquei observando
os dois fazendo sexo no sofá,
enquanto eu fumava haxixe.
Meu amigo me levou para conhecer os Tupinambás.
Tomamos banho no rio São Francisco
e eu pude constatar
que quando o sol
adormece e encosta sua moleira nas aguas
tudo sangra.
Os índios acreditam que o pôr-do-sol
é um antigo curandeiro
que tendo sido ganancioso,
pediu aos deuses o segredo da imortalidade.
Ironicamente
foi condenado pelas divindades
a morrer e nascer todos os dias.
Eu queria dizer para meu amigo
que ele estava certo
sobre o espirito que apodera-se do homem urbano.
Vendo os carros indo depressa na avenida
sobre a luz nostálgica das 17:30
tenho que dizer que Hobbes estava certo
sobre o monstro escondido dentro de nós mesmos.
Meu amigo,
Lembra que eu queria ser um artista
e viajar pela América Latina com meu fusca?
Hoje sou um objeto de escritório.
O telefone toca
e um terremoto acorda a besta aprisionada
no meu hipotálamo.
Eu quero matar e morrer todos os dias.
Lembro de sentir pena dos bêbados frustrados
que ficavam no canto dos bares,
e hoje
sou mais um deles.
Deixando de lado
a melancolia desesperança,
as vezes é preciso aceitar
a ineficiência da vida.
Com o tempo tudo perde o sentido:
filosofia grega, taoísmo, religião judaica,
naturalismo, meditação, yoga, comida vegana…
Eu volto para boêmia com meus amigos de mãos calejadas e sonhos asfixiados pela poeira espessa que cega os olhos de ver a cruel verdade que é viver.
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Ilustração: Bassam |
Meu gato
Não tinha trabalho
e nem grana para alimentar um papagaio,
era um tempo áspero!
Arrumei um emprego
mas ganhava pouco,
comprei um gato!
Ele miava, miava, haja ração!
Eu fui promovido
e não era mais um simples operário,
quanta determinação!
Ele miava, miava, haja ração!
Eu acordava sempre no mesmo horário
e trabalhava dobrado
em tempos complicados de corações pálidos,
haja exatidão!
Eu ia para o emprego
e pregos perfuravam a parede do meu cérebro:
Pare, pare! Não! Trabalho! Trabalho!
Voltava para casa em cacos.
Ele miava, miava, haja ração!
Eu comprei uma TV de Plasma, quanta resolução!
Comprei um carro do ano
e muitos juros na prestação.
Ele miava, miava, haja ração!
Eu montei uma firma no ramo da comunicação
e contratei um expert em recursos humanos.
Tempos tecnológicos!
Ele miava, miava, haja ração!
O tempo corria ilógico:
Doutor, estou muito estressado!
Toma aqui um remedinho,
um “diaze-pão.”
Ele miava, miava, haja ração!
Eu cheguei em casa, exausto!
O dia pela noite era diminuído
em doses homeopáticas de monotonia e cansaço.
Tempos a prazo!
Peguei o celular, onde estão meus amigos?
não escutei nenhum miadinho…
Meu gato tinha morrido!
Tempos de Cão!
Deus em nós
Já se passaram alguns anos,
continuo tendo desejos por coisas proibidas:
pular janelas, tocar a campainha e correr,
roubar beijos.
A chuva ainda me consola quando bate no vidro
e escorre lenta e persistente em direção à terra.
Tudo segue seu fluxo,
o dinheiro e o sangue, o sagrado e o profano,
a verdade e a desilusão.
Uma caixa pode estar vazia por dentro,
ou apenas, cheia de nadas.
Ainda há muito do meu eu da infância,
aquela vontade de aproveitar o dia,
de esconder a noite de baixo da cama.
Lembro quando descobri que no Japão ainda era d’manhã,
eu só queria estar lá!
Minha mãe dizia: “Meu filho, é muito longe.”
Eu aprendi que a felicidade sempre está um passo à frente,
como os sonhos que fogem na primeira luz que invade a cortina.
A vida é tão bonita no café da manhã,
a família reunida,
frutas, requeijão , sucos, bolos…
todos sorrindo para nós.
Mal sabem eles, ingênuos alimentos, que aquela
pode ser a nossa última ceia.
No calor árido do vale do ácido
ficava imaginando o inverno na Suíça:
o vapor do café, as montanhas congeladas,
o cachecol no pescoço.
A Suíça me consome tal qual um sentimento incógnito,
mas que me parece familiar
quando bate na porta da imaginação.
Quando menino, queria ser uma águia,
ver tudo de cima, contemplar o infinito.
Sócrates dizia
que dentro do homem existe um Deus desconhecido.
Talvez ele esteja escondido
nesse amontoado de dias análogos,
diante dos olhos enegrecidos.
Joe Arthuso : descobriu sua paixão pela escrita quando viveu em Itabira e conheceu de perto a historia de Carlos Drummond de Andrade. Hoje mora no Vale do Aço, interior de Minas Gerais, Cursa Psicologia pelo o Centro Universitário do Leste de Minas Gerais (Unileste) e trabalha como editor das paginas A Besta Essência, Derivantes Delirantes e Perolas 60’ 70’ .