Ancestral
Não há consciência
nem experiência
Diabólicos gestos.
Daquilo que sobra,
são restos as dobras
e os dedos de prosa.
Lembrara os netos.
De nada desfez-se, sólido
atrás manteve-se, bólido,
senil,sério, aquele homem.
Tempos diletos.
Continha
Foi numa conta de soma que deu oito
não lembro o tempo, o dia, tampouco.
A calculadora, sem energia, na sombra,
em repouso, transa de venda e compra
de tudo, lucro nessa transação não
conta.
conta.
A passagem pela vida um resumo doido
bom em mim alimento no olhar do outro.
No embalo do compasso quatro por oito
faço cálculo que a música, o tempo
todo,
todo,
está na conta e nem conta com a sobra
da feira de sábado, bambu não se dobra,
moeda não há, fica bem à base de troca.
Passei uma vida passada a limpo e ouço
o que ouvi desde criança e não é pouco.
Foi numa conta de soma que deu oito
não lembro o tempo, o dia, tampouco.
Entendimento
O sol encobrira-se
por trás dos blocos
escurecidos de cimento.
Cores de fogo vivo
contornam,
irregulares,
essas formas verticais.
Estamos sujeitos
do movimento
porque bem entendemos
do que vivemos
: o tempo.
Mais ou menos um na multidão
I
Mais um na multidão
já não posso ser…
Em céu repleto de estrelas,
nem todas têm seu brilho.
Em becos, em sarjetas,
brilho é consumido.
Sussurros ou gritos
quase nem se ouvem.
Dragões sobrevivem
na escassez de heróis.
II
Mais um na multidão
atemorizado com o silêncio
que abranda a consciência.
Infiltrado, intenso barulho
do avanço secular.
III
Menos um na multidão
entre a sonoridade
de arroios e pássaros.
Meio admirado, verde
limpo, vago, pisado,
ruminado pelos bois.
IV
Depois
do amanhã,
não menos
nem mais.
Afã.
O cais.
De amarelo sujei teu céu
Brindamos à euforia
do brilho, sequência diuturna.
Depois, o verde dos olhos,
profundidade da alma
sem plano escolástico.
Sorriso
dantes extremos pacíficos,
na próxima tempestade
de fogo ardente.
Decanto em silêncio,
respondes aos ares
em ondas sonoras.
Frequentas as salas
de vidro – respiro –
o cimento das formas
que teimam e resistem.
Desfeitas as experiências
de narrativas cadentes,
mudamos no tempo,
num arco-íris
semilento.
Passa tempo
Os tempos mudam
e a angústia é a mesma
a solidão, imbatível.
Procuro datas,
para quê?
para localizar
a dor em mim?
Parece verdade,
mas não há tempo.
Dada a mudança,
agora é quando.
Fotografia Ades de Nascimento: Decio Romano
Ilustrações: Egor Shapovalov
Ades Nascimento é professor, licenciado em Letraspela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e pós-graduado em Educação peloCentro Universitário Campos de Andrade (Uniandrade), em Curitiba/PR. Seus primeiros poemasforam publicados no III Concurso de Poesia Helena Kolody – Os poetas: Antologia de poetas Contemporâneos do Paraná (Secretaria de Estado daCultura, 1991). Paranaense, nascido em 1963, vive em Curitiba desde a infância. Plantador de araucárias, cancionista, recebeu prêmio de melhor canção (Bandeira II) no 5º festival da Canção da UFPR (1999), com a banda Nefelibatas.