MITOLOGIA
INTIMA
INTIMA
Sou muito Poseidon
numa sociedade Zeus
Hades e Dioniso
em tempos de Apolo
No palco entre atores
Hermes nos bastidores
Sou mais profundidade
que altura
Menos claridade
mais noite escura
Solitário entre as águias
dispenso as algaravias
Meu ouro íntimo
a melancolia
COQUETEL MOLOTOV
Mortífero
dardo:
dardo:
luzente o
petardo
petardo
explode o blindado
A poesia deve queimar as mãos
WORKSHOP DO GIGOLÔ
(Meditação Profana sobre o Arcano 15 — O
Diabo)
Diabo)
1
Durmo
com palavras
com palavras
necessitadas
langorosas diáfanas ninfômanas
langorosas diáfanas ninfômanas
utópicas de Joyce putifárias de Rimbaud
perdulárias
chilenas constrangidas chinesas
chilenas constrangidas chinesas
desavisadas polacas histéricas do Central Park
que a mim
todo prazer é (p) louco
Conquistá-las
despi-las de todas as condições abissais
Kamasutrá-las
como
um ardente deus grego
um ardente deus grego
p/
depois as ver ruborizadas
depois as ver ruborizadas
sob
o alvo lençol branco
o alvo lençol branco
essenciais
e submissas
e submissas
abertas
a todas as traduções
a todas as traduções
essa é a meta
do
poeta
poeta
2
Himens e hifens deixo-as aos eleitos de Sião
que da aventura
me basta a relva do mundo
me basta a relva do mundo
Sou Dante
rompendo a selva escura
rompendo a selva escura
Sou Goya brandindo o anel dos nibelungos
Nenhum século me basta
3
Dar-lhes uma
Dar-lhes duas
Dar-lhes três
até torná-las freguesas
Dar-lhes quatro
fazê-las ficar de quatro
Dar-lhes cinco
até perder o vinco
4
Às espevitadas
entoo os cantos gregorianos do prazer
e rezo o latim dos delírios e das
delícias
delícias
As lunáticas
faço-as viajarem até o centro da Terra
como se ouvissem o concerto nº 2 de Rachmaninov
As sinuosas
possuo-as com violência no chão dos museus
sob
o olhar das obras de arte e seguranças
o olhar das obras de arte e seguranças
As
caridosas
caridosas
amarro-as nuas em decúbito ventral
enquanto me excito e confecciono nova peça
As profissionais
torno-as beatas do incêndio dos sentidos
Às amadoras
concedo-lhes a delicada honra
de tornarem-se profissionais da luxúria
Das levianas
sugo-lhes o secreto segredo dos lábios
como um zangado zangão
As translúcidas
faço-as
lamberem as solas dos sapatos
lamberem as solas dos sapatos
As performáticas
torturo-as o ventre em brasa
e concedo-lhes o privilégio
de retornarem à virgindade
5
A todas
liberto-as da perversão da matéria
e as purifico em ritual horizontal
e vertical
para
as odes dos dias
as odes dos dias
Então
sopro-lhes aos ouvidos
sopro-lhes aos ouvidos
ternuras sucateadas e eternas:
puta
vagalume ônix verde áspide
vagalume ônix verde áspide
Madagascar coral aquário lilás
Elas saltam do mármore dos dicionários
Estão
maquiladas para o mundo e a vida
maquiladas para o mundo e a vida
6
A Poesia imita a Vida?
A Vida imita a Poesia?
Enquanto os castos discutem a questão
exercito o meu
Vênus em Escorpião
Vênus em Escorpião
retorno à alva
cama da Poesia
cama da Poesia
e escrevo com a tinta dos desesperados
no dorso nu de todas as palavras:
todo dia
é
dia de utopia!
dia de utopia!
DIABETES
Os imortais da Academia estão tomando chá:
gestos polidos unhas aparadas
bigodes tosados
pernas cruzadas
pernas cruzadas
no melhor
estilo gótico
estilo gótico
excedem-se no
dietético
dietético
para adocicar a conversa
Não sabem que lá fora a vida é amarga e má;
que a arte está é nas ruas
mercados feiras e prisões
— eles os imortais —
imobilizados em seus fardões
imortalizados imorredouros
mortos
CARTA DO
INICIADO
INICIADO
FENDIDO AO
MEIO
MEIO
1
Quando eu era materialista
amava a lua na escuridão do céu
Depois me tornei espiritualista
e quis ser o sol da meia-noite
Agora que não sou mais
espiritualista nem materialista
cigarra e formiga cantam juntas
no aurorescer e alvorecer
Não sei mais o que eu sou Eu sou
Todos estão rigorosamente certos
Todos estão exclusivamente errados
Não há nada a fazer
Não há partido a tomar
Se o visível procede do invisível
— seria correto dizer —
que o material leva ao espiritual?
Sol e lua brilham para todos:
muita treva conduz à claridade
e excesso de luz pode cegar
Portanto quem está aqui pode estar lá
Tudo
que é sólido desmancha no ar
que é sólido desmancha no ar
Não sei mais o que sou Eu sou
Na verdade — quem não busca o céu
por mala direta ou oblíquo véu?
As estrelas e as lojas de departamentos
os homens
de negócio e o asceta tibetano
de negócio e o asceta tibetano
todos
crescem e multiplicam-se como nuvens
crescem e multiplicam-se como nuvens
apenas
para cumprir a obra de Deus
para cumprir a obra de Deus
Portanto quando perguntam:
materialista ou espiritualista?
Não sei o que eu sou Eu sou
2
Quem não vê
(conectando a luz da alma no fio da visão)
que o ébrio procura na embriaguez
dissolver a sua dor em Deus?
e o intelectual ensimesmado
busca a sabedoria de Deus?
e o
neurótico desiludido
neurótico desiludido
apenas o
amor de Deus?
amor de Deus?
e o capitalista convicto
o poder de Deus?
e a prostituta
que se entrega por dinheiro aos homens
anseia (sem
perceber)
perceber)
como entregar a alma nua e pura ao Pai?
Quem julgará o certo e o errado
com sabedoria e toda a ciência
se o bem e o
mal
mal
são apenas estados de consciência?
3
Antigamente
eu tinha muita
eu tinha muita
culpa por viver embriagado no mundo
Agora que
me embriago de Deus
me embriago de Deus
e recuso
o cálice do mundo
o cálice do mundo
vejo que permaneço ébrio
e o vinho exala forte em minha alma
Ontem estava certo
Hoje estou certo também
Não há nada a fazer
Não há nenhum céu a conquistar
Nenhuma cerejeira vai florescer
Nenhum salvador vai chegar
Só sei que a cada dia menos sei
Só sei que a cada dia menos sou
Não sei mais o
que sou Eu sou
que sou Eu sou
A CAMA
Paradoxal é o gozo
na morte e no amor
Liberta de suas túnicas
a carne não comporta
cerimoniais de mão única
O que podia ser Carrara
ou folha morena de volúpia
são alvas pradarias iluminadas
que o desejo bordou
em guerras púnicas
Sob quatro patas
o amor é um polvo de mil pernas
em que a espada cravou sua estocada
staccato
ou gran finale
Mulher de bruços
ferida em soluços
parece absorta?
mas é amor
Observa a morte nas rinhas
cabeças coroadas de beleza
guerreiros só alcançam a realeza
quando as facas explodem as bainhas
O que queres minha rainha
em teu jeito fruta e flor:
um amor de morte
ou morte de amor?
Derrama as tuas pétalas
em meu corpo de poeta
Entre eras e ervas
— a eternidade nos espera —
alimentemos as feras
eis a minha assinatura:
fogo que perdura
amor e cura
Sou o teu mensageiro
o que vem libertar o teu prazer da culpa
e inaugurar mil anos de volúpia
com a pureza de todos os janeiros
Num dia de domingo
estaremos tardos e findos
Até lá ensolarados
cavalguemos lindos
UM
POSTER CONTRA
POSTER CONTRA
A
POSTERIDADE
POSTERIDADE
menino da
etiópia
etiópia
armado
até os dentes
até os dentes
costelas como fuzis
se tua mãe visse
o teu sorriso amarelo
menino da
etiópia
etiópia
diria (entredentes):
menino jesus de
praga
praga
cinco chagas de cristo
se marx visse
o teu sorriso amarelo
menino da
etiópia
etiópia
diria (extradentes):
sol do ouro roubado
pelos irmãos metralha
para a
dentadura de reagan
dentadura de reagan
menino da
etiópia
etiópia
que superpoderes do mal
há em teu sorriso amarelo
pra mandarem (tira-dentes)
até a sexta frota naval?
tão fraco fraco fraco
como o cordão do sapato
de flash gordon
tão fraco fraco fraco
que até o
flash
flash
da máquina fotográfica
que filmou teu último ato
ato ato ato
te faz
explodir
explodir
CADEIRA
ELÉTRICA
ELÉTRICA
Todo poeta tem direito ao último pedido
Canção de Dylan cachimbo inglês
ou o indefectível bife com fritas
Ninguém poderá recusar o batismo de fogo
de quem foi o herói de todas as paixões
(Assim falava Caryl Chessman cela 455
enquanto engraxava os sapatos vermelhos
pra assassinar pombos no Central Park)
Se o cabelo foi penteado não mais importa
Essa foi a derradeira apresentação
(O leitor pode assassinar o verso de cima)
— Inferno de kryptônia que sabes de Dante Alighieri?
O povo viu a cena na tevê & lavou as mãos nos
bares
bares
Ninguém
percebeu que a alta voltagem da descarga elétrica
percebeu que a alta voltagem da descarga elétrica
incendiou-lhe o fio condutor da memória
antes do curto-circuito afinal
No trono onde posa como um decadente deus grego
desenhou com as unhas o derradeiro poema
Mas quem quer saber de um poeta sem smoking
& reclamando do ketchup (na calça)
no dia do prejuízo
final?
no dia do prejuízo
final?
Na foto estampada na primeira página dos jornais
o poeta
ri Ri da América e dos homens de boa vontade
ri Ri da América e dos homens de boa vontade
Ilustrações: Hélio Cunha
Luís
Augusto Cassas nasceu em
1953, em São Luís do Maranhão, reside em São Paulo. Desde os dez anos
escreve poesia. Seu sonho, “tornar-se um grande poeta inédito”. Mas
lendo Mário de Andrade, no Prefácio Interessantíssimo, da Pauliceia
Desvairada, viu revelado seu segredo. “Todo mundo acredita na
valia do que escreve. Se divulga, é por vaidade, se não divulga, é por vaidade
também.” Flagrado, resolveu publicar. Aos trinta anos,
travou conhecimento com a obra de Carl Jung, I Ching, taoísmo, que lhe
ampliaram nova compreensão da vida e do mundo. Publicou vinte livros
de poemas, dentre eles, A Paixão Segundo Alcântara, Rosebud, O
Retorno da Aura, Ópera Barroca, Em Nome do Filho, Poemas
para Iluminar o Trópico de Câncer, Bacuri- Sushi: A Estética do Calor,
enfeixados em A Poesia Sou Eu, Poesia Reunida, dois
volumes encadernados (Imago Editora – RJ, 2012). Em 2017, lançou A
Pequena Voz Interior & Outros Comícios do Vento e Maria, a Fortaleza
Sutil que Vence toda Força, com selo da Penalux, de São Paulo. Paralelo
17 é o seu 23º livro.
Augusto Cassas nasceu em
1953, em São Luís do Maranhão, reside em São Paulo. Desde os dez anos
escreve poesia. Seu sonho, “tornar-se um grande poeta inédito”. Mas
lendo Mário de Andrade, no Prefácio Interessantíssimo, da Pauliceia
Desvairada, viu revelado seu segredo. “Todo mundo acredita na
valia do que escreve. Se divulga, é por vaidade, se não divulga, é por vaidade
também.” Flagrado, resolveu publicar. Aos trinta anos,
travou conhecimento com a obra de Carl Jung, I Ching, taoísmo, que lhe
ampliaram nova compreensão da vida e do mundo. Publicou vinte livros
de poemas, dentre eles, A Paixão Segundo Alcântara, Rosebud, O
Retorno da Aura, Ópera Barroca, Em Nome do Filho, Poemas
para Iluminar o Trópico de Câncer, Bacuri- Sushi: A Estética do Calor,
enfeixados em A Poesia Sou Eu, Poesia Reunida, dois
volumes encadernados (Imago Editora – RJ, 2012). Em 2017, lançou A
Pequena Voz Interior & Outros Comícios do Vento e Maria, a Fortaleza
Sutil que Vence toda Força, com selo da Penalux, de São Paulo. Paralelo
17 é o seu 23º livro.
A
poesia tem sido o seu bunker, templo, cinema, psicoterapia.
poesia tem sido o seu bunker, templo, cinema, psicoterapia.
Uma resposta
Sonho realizado, Luís. Você é um grande poeta.