6 poemas de Miguel Solís

 
 

SEX-ART-APPEL
***

O coração de resina grane louco,
meu peito é um zoológico suspenso.

A sedenta voltagem das pernas riscando a noite,
tesão que rodeia a boca feito uma tourada cigana,
esse sexo embalando um marasmo elétrico,
angelical mas fugaz
como seus dedos quando mancham o A3.

Eu, além do real
em véu-vítreo
pulmão apalpando o ar carbonizado dos cigarros da fronteira,
devaneando
sentindo a ferida abrir feito boca
na fome felina de mundo,
que tenho
tenho,
em uma utopia-libertina
onde eu e meu bem imergimos sobre as cordilheiras
imensos
imensos
numa valsa incendiando as paredes do globo,
minando nossas cabeças no ponto de fuga.

Tudo
Tudo
A pele e o que há:
casca, vazio.
Esse tempo em que daninhas fermentam sobre nós
e sonhos forram o parapeito,
o que a arte entrega a morte não toma,
o mormaço da tua boceta me deixando alto
de olhos pintando o teto como uma capela sistina,
nosso amor concebido pelo o que seremos,
como unidade, como par;
como Deuses cegos de mãos entrelaçadas.

Sex-art-appel

cortinas se abrem
vidas desabrocham frescas

nasce aqui
o doce teatro dos nossos delírios.



LÍRICA-CRÔNICA-DO-AMOR-ESTRANGEIRO
***

Piás alucinados embriagam a tarde,
vejo lapidado teu rosto na superfície de estanho,
já não traço os dedos nas fluviais de tua mão,
tua falta impregnada nas esquinas da cidade
onde o vento em vão te procura os cabelos.

O corriqueiro estende-se entre tetos e bitucas,
pessoas preparam chá descompassadas,
convulsão de peitos rotos,
ansiedade
paixões desprevenidas
olhar
olhar
manto vivo em pele,
fagulhando a alma com os ponteiros
enquanto o lençol se dilui na miragem de um busto em quentura,
tu
o cheiro
tu

a vida trotea

em nosso coração que não perde o verniz.



SORTILÉGIOS DA MADRUGADA EM UM VIDRO MAGO
***

Sonhos oriundos esculpidos na noite
lascívia gotejada no lastro denso da cidade
onde putas são orbitadas nas rotatórias
a brasa
luzes
postes folheiam o cobre no asfalto
bêbados batizam ruas à suco de bexiga
demônios ronronam gases nas esquinas febris
há corpos assaltando xenon pelas dobras da carne
fervilhando tesão juvenil: doce baba noturna.

Dionísio assina sua onomatopeia nos motores
vozes ondulando o compasso –
as línguas são regidas por uma serpente carnavalesca.

A mecânica da madrugada te drena as têmporas
no lastro denso da cidade
no lastro denso

o caos te costura

amável tormenta dos bobos alegres bêbados
tropicando pés tropicais na valsa dos vencidos.

Musas acesas no cemitério das nossas lembranças – paixões desbotaram no acaso.
Levando nossos zumbis para passear na noite
pela brasa
pelas luzes
das nossas almas chupadas feito caracóis
somos o erro da matrix
somos sim
a sombra porosa de Deus.



JUNG ENCENOU O ARQUÉTIPO DE JUDAS
***

Quando eu estiver dormindo

Fure meus olhos, amor
na tua unha de descascar mexerica

e perceba dentro de mim

minha alma-trapilha
travestindo folgados-versos-meços-na-tua-medida

Fure meus olhos, amor
assopre

e veja que

saudade
saudade
saudade

é o que fica

mas note inside

que em mim

toda festa
é despedida

Quando eu estiver dormindo

Fure meus olhos, amor
benzendo benzina nas retinas

e assista no vitrô-negro dos meus olhos

a prévia do próximo sonho
no cine-psiquê-família

eu acordando assustado:

– O que foi filho meu?

[Uma pausa/
o suspiro]

– Assassinei Pai-Freud, mãe querida.



REC-BEAT-NIGHT
***

O pulso na rítmica dos motores,
essa noite
meu pensamento é um blues.

Dissecadas porções de mim
empanadas no pó do asfalto,
sou o cão-latino trincando o esqueleto no swing de vozes-noturnas,
a vida toda o naco
dessa atmosfera que destila adeus
e tira o ferro dos ossos.

A saudade que vela
na morte que acena.

Essa noite
meu pensamento é um blues
e exalo o fél dos poros
& não quero mais
que alguém pra me iludir.

Brisa nas ventas
flor-de-náusea na boca
a fantasia que asila
meu coração biscate.

Cru
cru é o século:
cadelas cozidas no próprio sangue
empoderando-se no cio
egos que regem a dança
no ventre da terra
brainshitstorm
& os eu’s-ogiva.

Essa noite
meu pensamento é um blues,
serena
navalhas nas mangas
putas estéricas roubam-me o sono

não me tome pela mão
de mim só resta o plasma
e meias-verdades.

O amor que tenho – na boca do bueiro o funil;
repeat de más fodas
asas de chumbo ornadas
na queda livre
de corpos sem fundo.

Essa noite
meu pensamento é um blues,
e minha alma-trapilha dá nota solta

face estampada na privada

solitário no reflexo

Não fuja de mim, Narciso Bêbado.



XAMÃNICA DO POETA MENOR
***

Eu ainda choro
assistindo casais de acrobatas
hereges-cadentes
quebrando leis no ar.

E acho, ainda hoje,
que na galeria púrpura da noite
quando grogue
não há coisa mais seduzente
que a luminosa da Coca-Cola.

Eu ainda me exilo em roxo dos meus confrades
se a poesia se enciuma
com seus artifícios e silêncios.
Quem sabe o que me mantêm
é esse abraço curto
na sua plástica
de singelo-divino
como harpa & querubim.

Eu, ainda morro em gotas
sentinela-da-soleira-do-mundo
com minha melopéia mal escrita
e minhas dores mal acabadas.
Querendo inventar
uma palavra-pura
forte e presente
feito uma prece
à Virgem de Guadalupe/
capaz de mover um país
[dínamo-lírico
trem-fonético]
explosão dos tímpanos parindo neo-luas. 

Eu, ainda amargo
corto nu a face da lembrança
como se para fazer souvenirs
com colagem de revistas velhas
e me envaideço
com meus rancores
como uma árvore
em sua solitude anciã
se envaidece de seus frutos.

[Shiva zunindo em minhas paixões]

Eu ainda sou
essencial surrealista
montando maré-alta
para corpos à vela.
A espuma dos versos
produzindo colírios
na ótica poética
para visionários-de-rapina.
Canções da Província
à um poeta menor
com seus pecados
providos de caprichos,
nas mesmas temporadas
pervagando o destino
sobre as serpentinas
que brotam do olho.

Eu, frágil
ainda humano
enquanto a vida palmilha
entre o espaço
                   e o coração.

Ilustrações: Kyle Thompson



BIOGRAFIA
Portador de bílis negra.
Dono de uma varanda com vista para o implícito – olhar de vidro-fumê.
Falso curitibano, caiçara de vivência. 
Fetiche em relva e fuligem.
A taquicardia é do coração de beija-flor.
A empreitada no espaço.
20 anos, lua em escorpião.
Poeta nas horas de sensações vagas.

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