Edward Hopper. Automat. 1927.
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[memento]
o que deixamos é o nome.
o resto é sombra.
ao Hades só desce a alma.
a alma é sobra.
o que fica com os vivos,
isso é o espírito
– o sopro que traz o nome.
que importa o Hades
enquanto o nome for vivo?
…………………………
[saudação]
em tudo que vejo
me reparo,
pois fora de mim
inda é dentro
e dentro eu sou
toda parte.
a luz só excita.
a mente é quem dita a vista.
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[citadino]
fandango pelas calçadas venéreas.
os pés tomando gosto pelo vasto.
meu coração, o templo das misérias.
mil cerrações, quieto e fremente arrasto.
cercado de etéreo, testa ao alto,
candeio – um brinquedo entre os descartes.
os músculos da face em contrassalto,
as mãos a retesar, os olhos vates.
sombrias densidades no vulto das pilastras
– fantasmas da cidade, celeiro de viragens.
bocas descarnadas a rogar rosas nefastas,
minhas alucinadas sutis paixões reagem.
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[coração ensimesmado]
coração ensimesmado,
quem te fratura o tom?
quem te tece asilos,
galante marchand?
que abstrata pantera fere
a trama de teus umbrais?
que efeméride ungiu
teu semblante vário?
enviesadas cartilhas
carcomem teu nexo?
Valete de Copas,
quem te pôs canastra?
………………………
[dissenso]
nossas ideias
não se avizinham.
nem bem se falam.
trocam acenos.
não têm qualquer
raiz comum.
talvez nem língua.
mal se conhecem.
se se souberam,
já não se lembram.
habitam reinos
com raras trocas.
lanço um convite
para um passeio.
mas tua ideia
é agorafóbica.
…………………….
Diego Callazans nasceu em Ilhéus, em julho de 1982, e mora em Aracaju desde abril de 1987. É autor dos livros A poesia agora é o que me resta (Patuá, 2013) e Nódoa (7 Letras, 2015), além do minilivro Blasfêmias (7 Letras, 2015). Publicou poemas e contos em diversas revistas literárias brasileiras. É editor convidado das revistas literárias Mallarmargens e Singularidade, bem como editor-curador da seção sergipana da vindoura revista de poesia Paupéria. Tem poemas incluídos nos livros É agora como nunca: Antologia Incompleta da Poesia Contemporânea Brasileira (lançado no Brasil pela Companhia das Letras e em Portugal pela Cotovia, sendo ambas as edições de 2017) e Naquela Língua: Cem poemas e alguns mais: Antologia da Novíssima Poesia Brasileira (lançado em Portugal pela Elsinore, em 2016). Seu primeiro livro de contos e seu terceiro livro de versos serão publicados em breve.