” (……) mas foram dadas a Mulher duas asas de uma grande águia, a fim de voar para o deserto, ao lugar do seu retiro, onde é sustentada por um tempo, por dois tempos e por metade de um tempo, fora da presença da serpente. Então, a serpente lançou da sua boca, atrás da Mulher, água como um rio, para fazer que Ela fosse arrebatada pela corrente. “
O apocalipse de S. João
Apocalipse da raiva
Apocalipse do ressentimento
Apocalipse do vento emparedado
Apocalipse sem centro
Apocalipse da falta de pulsão vital
Ó triste e frágil
Apocalipse sem louvor
sem fulgor
sem honra ao corpo
Ó melancólico
Apocalipse do evento
sem acontecimento de fato
Ó desesperado
Apocalipse sem campo transcendente
Apocalipse da convicção de culpa
do afeto negativo convertido
em afirmação
incapaz de ouvir
para além de si
Ó Apocalipse judaico-cristão
que pensa ser pagão,
Apocalipse de agulhas por dentro da fala
atravessando a própria lingua
anestesiada pela repetição neurótica
Ó Apocalipse sem restauração
Apocalipse que não vê
diferença na singularidade
Apocalipse sem paz
Apocalipse sem perdão
Apocalipse que prefere cuspir no chão
a ter de ouvir o Outro
Ó ansioso
Apocalipse sem triunfo
Ó orgulhoso
Apocalipse imprecador
sem imanência, sem alteridade, sem sublimação
sem a sublime ação
sem pensamento movente
Ó Apocalipse da perversidade
criada pela imaginação
do esvaziamento da vida
Ó insuficiente
Apocalipse sem diálogo
Sem semente, sem polinização
onde fracassaram o canto e a dança
porque não houve entre o corpo e o CORPO
espaço para a percepção
da possível santidade
de um rosto
Ó Apocalipse da contaminação
pelo afeto negativo
que justifica
o avanço do fascismo
com seu enorme circulo
em volta da fogueira
da nova inquisição
Ó Apocalipse
sem apocalipse
Apocalipse
sem mundo
sem Paradiso
sem expansão
Poema inédito do livro O TRIUNFO DE CUBATÃO
Marcelo Ariel é poeta, performer e ensaísta.Autor dos livros RETORNAREMOS DAS CINZAS PARA SONHAR COM O SILÊNCIO ( Patuá) , COM O DAIMON NO CONTRAFLUXO ( Patuá ), JAHA NANDE NAMONBOVY’ A ( Penalux) entre outros.