Rua Santa Efigênia: Marcelo Gaspar de Souza

 
 
Naquele sábado eu estava decidido a sair, era hora de trocar a placa-mãe do meu velho notebook. Ele estava no CTI, entubado, coitado, mas me deu muitas alegrias, muitos poemas criamos juntos, só nós dois. Resolvi ir até a Santa Efigênia, lá no centro, uma viagem longa pra quem é da periferia. Gosto de andar naquelas bandas da cidade, muitos prédios antigos, cheios de histórias pra contar. 

Vi uma movimentação grande de pessoas, quando passei pela Avenida Rio Branco. Muitos policiais. Jornalistas. Veículos de várias emissoras de tv, com suas antenas erguidas, quase em sinal de louvor, apontadas para o firmamento. 

Perguntei o que estava acontecendo a um senhor que lá estava, olhando para o último dos quatro andares do edifício: “Não sei”, disse ele, hipnotizado. 

Parecia uma procissão da festa de Bom Jesus dos Navegantes, em Aracaju. Mas sem toda aquela pompa e glória. Todos vislumbravam algo, olhavam para o mesmo lugar: janelas no terceiro andar – é o que parece. Um prédio antigo, mofado, bem de esquina, lembra muito os casos contados por Hiroito, em Boca do Lixo. 

Os repórteres tagarelavam, tentando entender o que acontecia naquele lugar; um outro chegou a dizer que, possivelmente, eram membros do Estado Islâmico traçando um atentado para Brasília. Uma mulher bendizia um dos vitrais quebrados do primeiro andar: “Veja! é Santa Madalena encarnada. Eis o formato de sua exuberância naquela sombra da janela”, dizia em prantos. 

O policial mais velho, tinha um bigodinho tingido de preto, já que seus cabelos eram todos cor de nuvem, em dia ensolarada de parque do Ibirapuera. 

Já estavam lá o pipoqueiro, o senhor português com um carrinho de batatas fritas e amendoins doces, a caixa de isopor acima do ombro do jovem que gritava: “Refrigerante, água, cerveja. Quem vai querer?”. Até mesmo um traficante que portava maconha, cocaína e crack para o comércio. Confesso que o movimento em volta dele estava maior que o do tiozinho que vendia algodão doce. 

Alguém disse que o papa foi chamado, até o serviço secreto dos Estados Unidos da América estava infiltrado naquele local. Afirmavam muitos. 

Fiquei por alguns minutos. Não descobri o que realmente estava acontecendo. Foi o dia em que São Paulo parou, sem motivos, aparentemente. Ninguém soube explicar o que motivou o tumulto e nem o que o fez sessar três dias depois. Uma coisa é certa, meu notebook está na ativa novamente. Gosto de ir à Santa Efigênia, há muitas histórias antigas e gente tanto quanto os edifícios de lá: novos, velhos, carcomidos, bonitos, feios, apertados.




Marcelo Gaspar de Souza é baiano, criado em São Paulo, hoje reside em Pernambuco. É graduado em Análise e Desenv. Sistemas, pela Fatec SP. Autor do livro de poesias A noite continua num gole de cerveja (2017).




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