2 poemas de Fernando Campos

Ilustração: Marcin Kolpanowicz
A CIDADE DAS IDEIAS

Imagine uma cidade construída
de silêncio e sonho.
Imagine a grande novidade:
a luz renascida sem o peso das sombras,
sem a convicta insistência das horas.

Considere possível enxergar linhas e formas
sem apelação aos espelhos.
Creia viável, facilmente dedutível,
edificar um amanhã
sem resvalar no drama.

Imagine-se, de repente,
morando nessa cidade:
a tepidez agradável do ar, sob medida,
a seda de um verde musgo,
os vitrais do céu, cintilações de âmbar,
reflexões de púrpura.

O assomo do azul poderia ser doloroso
se não fosse a pérola das órbitas
a sustentar nossos olhos.

Agora, sem espanto,
projete-se sobre a grande extensão da urbe
– a planura e a descompressão das vozes,
as sonoridades plenas. Sinta as palavras
tão ternas, o acalanto.

Imagine-se vivendo na cidade das ideias.


BARROCO

Nada de novo nos alcança.
Entanto, um constante renovar-se
e outros ventos.
Habito um país de ingerências,
indigências,
um carnaval de modos e medos:
o belo e o feio, o pior dos contentes,
o melhor de nossos dias tristes.
No mundo, a genética teima
e se pretende cortesã da ciência.
Em sua busca tresloucada,
calabouços surgem,
comensais do destino,
canibais vomitando sobre a pia do batismo
retardatários pra depois do incesto.
Agora mesmo, neste princípio de agosto,
estilhaços de abril bebem sedes com gás
e gosto
na concepção barroca do côncavo de nossas orelhas.



Fernando Campos, poeta de Caratinga – MG, tem dois livros publicados: Insolvência – fragmentos de amor e morte e um esboço de despedida (2015) e Desjejum (2016).

Respostas de 3

  1. O Fernando está sempre surpreendendo. Estes dois poemas me parecem uma outra fase de sua vida e obra. Após os primeiros versos, devorei cada palavra, absorvendo uma parte de sua profundidade e sonoridade. Elizeu Mol.

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